sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Estudo sobre nascimentos (planejados) em casa: riscos do parto domiciliar

Planned Out-of-Hospital Birth and Birth Outcomes


Estudo aponta ligações entre nascimentos não-hospitalares (planejados) e risco ligeiramente maior de mortalidade infantil. Mas as probabilidades globais ainda são baixas em ambos os casos.


Entenda

Nos Estados Unidos (e no Brasil também), o número de partos realizados fora do hospital - ainda que planejados - tem aumentado. 

 Em nosso país, os movimentos que defendem o parto fora do hospital apontam como justificativa o risco maior de "violência obstétrica", de procedimentos supostamente desnecessários como a episiotomia de rotina, indicações excessivas de cesarianas e não respeito aos direitos das gestantes. 

Ao menos no que diz respeito ao excesso de procedimentos, as críticas são fundadas: 
O Brasil é conhecido por altas taxas de cesariana desnecessária ("o corte acima"), realizada em mais de dois terços dos nascimentos no setor privado, onde 30% das mulheres dão à luz. A taxa de 94,2% de episiotomia ("o corte por baixo") em mulheres que dão à luz por via vaginal, afetam 70% das mulheres pobres usando o setor público. (Fonte: Diniz & Chacham)
Por outro lado, ainda no Brasil, obstetras (e pediatras) apontam os riscos de nascimento sem atenção especializada como irresponsabilidade, ignorância quanto aos avanços médicos, submissão a riscos com doulas que não estariam preparadas para as complicações do parto - caso hajam - e um suposto desejo das mães de se tornarem - nas palavras de um blogueiro - "as estrelas principais de um espetáculo no qual o bebê deveria ser o astro".

Assim, movimentos nacionais como "O renascimento do parto", "Parto Humanizado" e "Violência obstétrica" advogam pelo direito do parto em casa como opção ao hiperintervencionismo e suposta insensibilidade dos médicos. 

Nos Estados Unidos, os partos extra-hospitalares também são incomuns, representando menos de 1% dos nascimentos, de acordo com o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, mas estão aumentando. Lá a discussão versa sobre qual deve ser a conduta dos médicos frente a mães que querem dar à luz fora de um hospital. Especialistas do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston e os próprios autores do artigo em questão concordam que parteiras são cruciais, e que é importante ter uma boa comunicação com um hospital no caso de uma emergência. 

Segundo eles, a melhor forma de assegurar nascimentos adequados fora do hospital é certificar-se que as parteiras tenham uma estrutura formal de backup com um médico designado em um hospital próximo para que a mãe possa se transferir se as coisas começarem a se complicar. Essa melhor comunicação também reduziria o atrito entre os hospitais - que "só vêem as complicações" -  e as doulas ou parteiras.   



O que este estudo traz

Segundo este estudo conduzido na Oregon Health & Science University School of Medicine, bebês que nascem fora de um hospital são mais propensos a nascerem mortos ou morrerem no primeiro ano de vida. O estudo foi publicado em 31 de dezembro de 2015 no New England Journal of Medicine

Os autores apontam um risco duas vezes maior de óbito no domicílio, mas o risco de morte em ambos os grupos foi pequeno. Uma das limitações deste estudo é que ele não foi desenhado para provar uma relação de causa e efeito entre as mortes infantis e partos não-hospitalares, ou seja, ele apenas demostra uma ligação entre esses fatores. 

O estudo analisou estatísticas de quase 80 mil nascimentos ocorridos em Oregon em 2012 e 2013. A localidade foi providencial para o estudo porque Oregon exige uma extensa lista de informações na certidão de nascimento. Pouco mais de 3.200 mulheres planejaram seus partos em casa ou em um centro de parto autônomo. Os pesquisadores compararam essas mulheres àquelas que planejaram dar à luz em um hospital - quase 76 mil mulheres, o que é também uma limitação do estudo (amostras tão díspares)

Os pesquisadores descobriram que 94% dos nascimentos fora do hospital foram por partos vaginais não assistidos em comparação com 72% dos partos hospitalares. Cabe aqui explicar que partos vaginais não assistidos são aqueles em que propositalmente o assistente do parto deixa o parto ocorrer sem necessidade de intervenção (e não que o parto ocorreu sem assistência). Ou seja, em 28% dos partos hospitalares alguma intervenção foi realizada.  

Os pesquisadores também observaram uma menor chance de adoção de procedimentos obstétricos - tais como a indução do trabalho de parto e parto cesárea - com partos domiciliares, bem como menor chance de internação em unidade de terapia intensiva neonatal. 

Mas o dado mais alarmante foi que o nascimento extra-hospitalar associou-se com uma maior taxa de morte perinatal, de 3,9 por mil partos, mais de duas vezes maior do que o parto planejado hospitalar que registrou 1,8 mortes por 1.000 partos (P = 0,003), Isso representou uma razão de chance, mesmo após ajustada para as características maternas e condições médicas de 2,43 por mil partos (intervalo de confiança de 1,37-4,30), o que representa um aumento do risco da ordem de 1,52 mortes (a mais) por 1.000 nascimentos.

Além disso, as chances de convulsão neonatal foram maiores com nascimentos planejados fora do hospital do que com o nascimento planejado em-hospital


Veja também:

Desfechos do Parto Domiciliar com Parteira x Parto Hospitalar por Parteira x Parto Médico Hospitalar



Leiao Abstract traduzido:

ANTECEDENTES A frequência de nascimentos planeados para fora do hospital nos Estados Unidos tem aumentado nos últimos anos. O valor de estudos que avaliam os riscos perinatais de nascimento extra-hospitalar planejado contra o parto hospitalar tem sido limitado por casos em que é necessária a transferência para um hospital e um nascimento que foi inicialmente planejado como um parto fora do hospital é erroneamente classificada como um parto hospitalar.

MÉTODOS Realizamos um estudo de coorte retrospectivo de base populacional de todos os nascimentos que ocorreram em Oregon em 2012 e 2013, usando dados de certidões de nascimento Oregon recém-revistas que permitiram a desagregação dos partos hospitalares nas categorias de partos hospitalares planejado e nascimentos extra-hospitalares planejados ocorridos no hospital após a transferência intra-parto de uma mulher para o hospital. Foram avaliados a morbi-mortalidade perinatal, morbidade materna e procedimentos obstétricos de acordo com a configuração de nascimento planejado (fora do hospital vs. hospitalar).
RESULTADOS Nascimento planeado para fora do hospital associou-se com uma maior taxa de morte perinatal do que o parto planejado hospitalar (3,9 vs 1,8 mortes por 1.000 partos, P = 0,003; odds ratio após o ajuste para as características maternas e condições médicas, 2,43; intervalo de confiança de 95% [IC], 1,37-4,30; diferença do risco ajustado, 1,52 mortes por 1.000 nascimentos; 95% CI, 0,51 a 2,54). As chances de convulsão neonatal foram maiores e as chances de internação em unidade de terapia intensiva neonatal inferior com nascimentos planejados  fora do hospital do que com o nascimento planejado em hospital. Nascimento planeado para ocorrer fora do hospital também foi fortemente associado ao parto vaginal sem assistência (93,8%, contra 71,9% com nascimentos planejados  intra-hospitalares; P < 0,001) e com menor chance de ter procedimentos obstétricos. 
 CONCLUSÕES A mortalidade perinatal foi maior com o nascimento planejado fora do hospital do que com o nascimento planejado em hospital, mas o risco absoluto de morte foi baixo em ambas as configurações. (Financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano Eunice Kennedy Shriver.)  

Conclusões

Mais do que prescrever comportamentos, os resultados fornecem aos futuros pais e seus respectivos médicos números que permitem uma base racional para o planejamento sobre onde eles querem ter seu bebê, considerando o que é importante para eles e quais os riscos eles estão dispostos a tolerar. O que está de acordo com uma medicina centrada na pessoa e não na doença ou no profissional, autonomizando a pessoa na sua tomada de decisão. 

Embora a probabilidade extra de morte em partos não-hospitalares no estudo possa parecer alta, há pessoas que perceberão esses riscos como aceitáveis, a fim de evitar as intervenções às quais eles realmente não querem ser submetidos. Assim, pode-se ver a decisão de se ter filhos em casa como assumir um risco duas vezes maior de óbito, ou perceber que esse aumento, sendo de 0,18% no hospital e 0,39% em casa, continua sendo mínimo. 

O que se deve pensar também, em termos de validade externa - ou seja, aplicabilidade em nossa realidade - é se as parteiras e doulas do Brasil estão mais ou menos preparadas que aquelas dos Estados Unidos (e de outros países), se nossos hospitais tem capilaridade suficiente (estão suficientemente próximos) para receber situações complicadas. 

No Editorial do NEJM sobre este artigo, chama-se atenção para o fato. Um outro estudo, do Canadá, sugeriu que o parto domiciliar é tão seguro para bebês como parto hospitalar, mas as parteiras são reguladas de forma mais rigorosa no Canadá do que nos Estados Unidos; num estudo holandês, houve um aumento do risco para nascimentos fora do hospital semelhante ao estudo de Oregon. 


Acesse: 

abstract do artigo: 



O editorial (não está em livre acesso):




Saiba Mais:
Análise de evidências da Colaboração Cochrane



Publicado originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com


As fotos deste post estão sob direitos autorais. 
O uso dessas fotos sem autorização constitui-se em infração de direitos autorais, penalizada legalmente no Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário