sábado, 21 de março de 2015

Abuso de alcool versus horas de trabalho: Work Hard, Party Harder?

Long working hours and alcohol use: systematic review and meta-analysis of published studies and unpublished individual participant data 

BMJ 2015; 350 doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.g7772

Longas horas de trabalho pode aumentar o risco para o abuso de álcool, de acordo com uma meta-análise abrangendo mais de 300.000 pessoas de 14 países publicada no British Medical Journal (BMJ) de janeiro de 2015


Entenda:

Suspeita-se (há tempos) que muitos trabalhadores usem o álcool (ou mesmo outras drogas como tabaco e drogas ilícitas) como um elemento capaz de promover alívio de ordem mental e física que reduza a carga das responsabilidades do trabalho e para tornar mais "agradável" a transição do trabalho para casa. Em termos leigos: "tomar umas e outras para relaxar".

Sempre se focou no conteúdo do trabalho (tipo de demanda, tipo de trabalho, responsabilidades envolvidas e ergonomia) quando se pensa em saúde, mas as horas trabalhadas estão se mostrando tão ou mais importantes para a saúde dos trabalhadores e seus entes pessoais.

Muitos trabalhadores tem jornadas de trabalho de longas horas, e hoje lidamos com esforços de políticas públicas e da Medicina do Trabalho para reduzir os regulamentos contra a longas horas de trabalho. No Brasil, um exemplo claro e recente disto refere-se a tentativa de redução da jornada de trabalho de enfermeiros no Sistema Único de Saúde.

Ou seja, a temática é foco de atenção por profissionais de saúde, decisores das politicas públicas e todos os interessados na saúde, sendo necessário avaliar o impacto das longas horas de trabalho sobre a saúde.

Para avaliação de problemas relacionados ao uso do álcool, um dos questionários mais utilizados na Atenção Primária a Saúde é o questionário CAGE (C - Cut-down; A - Anoyed; G - Guilty; E - Eye-opener).

O questionário CAGE é uma alternativa fácil, rápida e pouco intimidativa na detecção dos problemas relacionados ao uso de álcool. É voltado para realizar o diagnóstico da "Síndrome de Dependência do Álcool" (SDA), proposto por Ewing & Rouse e traduzido e validado para o português por Masur & Monteiro, com 88% de sensibilidade (porcentagem de alcoolistas corretamente identificados) e 83% de especificidade.

O questionário CAGE é apresentado a seguir:

Consideram-se:
2 respostas positivas: alto risco de dependência do Alcool
1 resposta positiva: alto risco de abuso de Alcool 


Por outro lado, considera-se "Risco Alcoolico" quando se faz uso de mais do que 14 doses por semana para as mulheres e mais de 21 doses por semana para os homens. Beber este muito pode aumentar o risco de problemas de saúde, tais como doenças do fígado, câncer, acidente vascular cerebral, doenças cardíacas e transtornos mentais.

Os problemas relacionados ao uso de álcool são responsáveis por 54% dos acidentes de trabalho com afastamento e por 40% dos acidentes com morte. Além disto, trabalhadores com problemas relacionados ao álcool costumam faltar 5 a 7 vezes mais ao trabalho (26 dias por ano, em média), segundo a Organização Internacional do Trabalho.

Os trabalhadores que bebem em excesso podem estar tentando lidar com uma variedade de doenças relacionadas ao trabalho. Pessoas que tentam aliviar seus sintomas relacionados ao trabalho com álcool podem estar sob stress, depressão, fadiga e distúrbios do sono, ou simplesmente em burnout.

No estudo apontado aqui, os funcionários que trabalhavam mais de 48 horas por semana eram quase 13 por cento mais propensos a consumir alcool em excesso do que aqueles que trabalhavam 48 horas ou menos.


O que este estudo traz:

Foram coletados dados em mais de 333 mil pessoas em 14 países. Descobriu-se que mais horas de trabalho aumentou a probabilidade de altas taxas de consumo de álcool 11 por cento. Uma análise de um adicional de 100.600 pessoas de nove países encontrou um aumento semelhante no risco.

Estatísticas de 18 estudos publicados mostraram que aqueles que trabalharam 49-54 horas por semana tiveram um risco aumentado em 13 por cento para excesso de bebida, e aqueles que trabalhavam 55 horas por semana ou mais tinham um risco aumentado de 12 por cento em comparação com aqueles que trabalharam 35 para 40 horas por semana. Estes resultados não foram diferentes para homens e mulheres ou por idade, condição socioeconômica ou país

Embora os riscos não fossem tão altos, estes resultados sugerem que algumas pessoas podem ser propensas a lidar com o excesso de horas de trabalho através de hábitos não saudáveis, neste caso usando álcool acima dos limites recomendados.

A evidência parece bem forte de que mais horas de trabalho estão associadas a um aumento da probabilidade de desenvolvimento de risco de beber, mas este estudo só aponta uma associação entre longas horas de trabalho e risco de beber, e não necessariamente que trabalhar longas horas foi a causa específica do consumo pesado, não provando nenhuma relação de causa e efeito

Não está claro, também, a partir deste estudo se algum outro fator, como a natureza daqueles que trabalham mais horas, contribui para o hábito de beber mais. Mas a ideia aqui é de que é preciso pensar com cuidado antes de permitir ou incentivar que os trabalhadores assumam horas em excesso, pois isso pode aumentar os níveis de consumo.

Em outras palavras, se aqueles que mais trabalham em termos de horas são aqueles que "enfiam o pé na jaca", não deveria ser uma boa estratégia para empresas estimular as horas extras ou o aumento da carga horária, sob riscos de lidar com o abuso de substâncias e o adoecimento. 


Saiba mais:

Medicina de Familia: Relação de álcool e problemas do sono
Medicina de Familia: Quem trabalha muito... morre?


Leia o abstract traduzido:

Objetivo: Quantificar a associação entre as longas horas de trabalho e uso de álcool.

Projeto: Revisão sistemática e meta-análise de estudos publicados e dados dos participantes individuais não publicados antes.

Fontes de dados: Busca sistemática das bases de dados PubMed e Embase em abril de 2014 para estudos publicados, complementadas com pesquisas manuais. Dados dos participantes individuais não publicados foram obtidos a partir de 27 estudos adicionais.

Métodos de revisão: A estratégia de busca foi projetada para recuperar e estudos prospectivos e transversais sobre a associação entre as longas horas de trabalho e uso de álcool. Estimativas resumidas foram obtidas com efeitos aleatórios da meta-análise. Fontes de heterogeneidade foram examinadas com a meta-regressão.

Resultados:  A análise transversal foi baseada em 61 estudos que representam 333.693 participantes de 14 países. Análise prospectiva foi baseado em 20 estudos representando 100 602 participantes de nove países.
A proporção máxima ajustada de odds reunidas para a associação entre as longas horas de trabalho e uso de álcool foi de 1,11 (95% intervalo de confiança 1,05-1,18) na análise transversal dos dados publicados e não publicados.
A razão de chances de nova utilização inicial de risco de álcool foi de 1,12 (1,04-1,20), na análise de potenciais dados publicados e não publicados.
Nos 18 estudos com dados de participantes individuais, foi possível avaliar a diretiva sobre o tempo de trabalho da União Europeia, que recomenda um limite máximo de 48 horas por semana. Odds ratio de início novo do uso de risco de álcool para aqueles que trabalham 49-54 horas e ≥55 horas por semana foram 1,13 (1,02-1,26; diferença ajustada de incidência de 0,8 pontos percentuais) e 1,12 (1,01-1,25; diferença de incidência ajustadas em 0,7 pontos percentuais ), respectivamente, em comparação com o padrão de trabalho 35-40 horas (incidência de novos sintomas de risco de álcool usar 6,2%).
Não houve diferença nestas associações entre homens e mulheres ou por grupos etários ou socioeconômicos, regiões geográficas, tipo de amostra (coorte ocupacional versus base populacional), prevalência do uso de risco de álcool na coorte, ou taxa de atrito da amostra.  
Conclusões: Indivíduos cujas horas de trabalho exceder recomendações padrão são mais propensos a aumentar o uso de álcool em níveis que representem um risco para a saúde.


Leia o Artigo em:




Acesse também:

Uma avaliação sobre uso de Alcool em Funcionários da Prefeitura de São Paulo:

Outra avaliação sobre uso de Alcool em Profissionais de Pronto Socorro:




Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com


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